terça-feira, 29 de maio de 2018

Dor

Passou o dia mal. Febre e sinais estranhos no corpo.
Aguentou até o fim do experiente e foi buscar socorro médico.
Convênio da empresa, foi um atendimento perfeito.
Soros, medicamentos e uma injeção na nádega.

A pior dor que já sentiu em toda sua vida.
Ele não se reconheceu ali, gemendo de tanta dor.
A enfermeira orientou a ir ali fora e sentar e relaxar a perna,
Para a dor reduzir. Começou a funcionar.

O carinho da enfermeira foi tamanho,
Que deixou um sentimento absurdo dentro dele.
Um sentimento que começou leve e no fim explodiu.
Foi ali que ali ele começou a suar pelo olho.

Suar não: começou a chorar sem dó.
Sem vergonha de o verem.
Na verdade ele adoraria que alguém o visse,
Na verdade o viam.
Mas não o notavam. Pareciam não ligar.

A cada paciente dispensado com alguém do lado de acompanhante,
Fazia ele soluçar ainda mais de chorar ali num canto, sozinho.
Justo ele, que sempre é forte pra quase tudo.
Ali, ele levou um tapa.

Sem saber, a enfermeira, em seu carinho tão humano,
De imensa empatia e respeito à dor,
Era a razão daquele choro.
Qualquer um ali deve ter pensado
"Nossa! Quanto drama. Homens são muito fracos.
Não aguentam o que muita mulher aguenta."

Ali ele chorou feito criança. Feito um bebê.
Que chora e a mãe não vê...
Ele sabia a dor que sentia.
Essa se misturou a um conjunto de sentimentos.

Mas a pior dor, motivadora daquele choro forte,
Era a dor de estar só.
A dor de ser só, em momentos como aquele.
De sensibilidade e vulnerabilidade. De dor.
Onde a pessoa se permite ser humana.
E chora. Ainda que sozinha.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Solidão

Ela anda se sentindo só.
Mas quem nunca?
Solidão sua, de alguém,
Solidão só.

Solidão que busca atenção,
Que busca ser o foco,
Daquele olhar vago no metrô,
Desperdiçando um olhar
Que poderia curar sua solidão.

Solidão que chega a sentir falta
Daquela cobrança dos pais,
De uma encheção do irmão,
Apenas para se sentir.

Se sentir preocupado,
Se sentir esperado,
Se sentir acompanhado.
Se sentir.

Solidão que a faz misturar as coisas,
Faz de uma reclamação,
De entupimento, vazamento,
Um desabafo pro encanador.

Solidão, quem nunca?
Quem sempre,
Quem quase,
Solidão.



terça-feira, 29 de novembro de 2016

Detalhe

Casamento recém-celebrado, O álbum de fotos nem chegou ainda. E a notícia linda: um bebê está a caminho. É comemoração em dobro! Passado o tempo regular da gestação, Chegou a hora do pai acompanhar o parto. Nascia ali uma linda criança, Só um pequeno detalhe: era negra.
A questão não era a cor em si, Mas não há negros em nenhuma das famílias. Algo estranho aconteceu, pensou o pai. Uma peça se encaixou, pensou a mãe. Nascia ali, o fruto de uma noite. De bebedeira e música. Onde ela contratou um gogo boy, Com quem transaria na despedida de solteiro.






terça-feira, 26 de julho de 2016

Oi


"Oi, estou louca para te ver de novo, te abraçar de novo, te beijar de novo, te ter de novo..."
"Oi, estou passando pra saber se está tudo bem com você..."

Mal sabe ele, que, por trás dessa mensagem que ela o envia,
Vem uma carga imensa de sentimentos, vontades e proibições.

Do tipo "querer não é poder".

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Bloqueio

Ela decidiu: iria bloquear ele nas redes sociais.
Cansou de sempre deletar e readicionar.
Não por culpa dele.
Muito menos por culpa dela.

Há sete meses ambos decidiram entrar numa brincadeira.
Brincadeira de “pegar sem se apegar”.
Balela: um dos lados acaba sempre se apegando.
E a brincadeira torna-se séria.

Não foi culpa dele por ele ter outra.
Não foi culpa dela, tampouco, por ser solteira.
Foi culpa de ambos insistir numa traição.
Foi culpa de ambos dar corda e alimento a sentimentos perigosos.

O bloqueio é um basta apenas.
Um basta às milhares de vezes que ele fez pouco caso dos sentimentos dela,
Encarando eles como paranoia, como chatice,
Como “forçar a barra”, como drama, como baixo auto-estima.

Um basta pelas zilhões de vezes que ela cobrou dele,
Sendo injusta, pedindo a alguém compromissado
O que ele nunca poderia dar: atenção,
Afeto, presença, parceria. Amor.

Ela passou a amá-lo tanto,
Que o melhor foi deletá-lo.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ridículo

De repente o celular dela notificou:
Mensagem dele!
Estremeceu, junto com um descompasso no peito.
Coisa que sempre ocorre quando recebe mensagem dele,
Depois de dias e dias de falta de comunicação:

"Quando a gente não sabe o que dizer,
O melhor é ficar quieto. 
Não se sinta ignorado."

Para ela, que já o conhecia tão bem,
Estava ali a mais sincera declaração,
O mais sincero dos dizeres.
A mensagem que a traria, enfim, tranquilidade.


sábado, 25 de junho de 2016

Unha

Ele lembra daquela madrugada.
Ele dormindo e o outro sem sono,
Sentado na tampa fechada da privada,
Cortando unha: tec, tec, tec.

Lembra que foi acordado.
E ficou puto por isso.
Acordado na madrugada pelo tec tec do cortador de unha,
Vindo da luz acesa do banheiro.

Levantou, foi até o outro e reclamou.
E o outro, sempre da paz, nada falou:
Apenas parou de cortar as unhas,
Dando atenção ao xilique do primeiro.

O outro se foi.
E o primeiro daria tudo para tê-lo o incomodando
Todas madrugadas.
Mesmo com um simples cortador de unha.
Ele daria tudo.


quinta-feira, 5 de maio de 2016

Plenitude



O seu amor,
Ame-o e deixe-o livre para amar,
Ame-o e deixe-o ir aonde quiser.

Ame-o e deixe-o brincar,
Ame-o e deixe-o correr,
Ame-o e deixe-o cansar,
Ame-o e deixe-o dormir em paz.

O seu amor,
Ame-o e deixe-o ser o que ele é:
Ser o que ele é!

(Gilberto Gil)

domingo, 20 de setembro de 2015

Maratona

Mais uma Maratona Pão de Açúcar de Revezamento.
É hora de buscar superar resultados,
Superar limites no domingo
E fazer melhor que ano passado.

Chegando a véspera da corrida,
Dia de passar cedo na casa da mãe,
Que não estava. Comeu, cochilou no sofá.
Não esperou a mãe e foi para a sua casa.

Deixou tudo organizado,
Colocou roupa da semana na máquina
E um filme para relaxar:
Seu vício.

Uniforme de corrida pronto e estendido no sofá,
Alimentação leve e cama para acordar cedo.
Últimos recados para os amigos,
Última mensagem trocada com o amigo de quarto.

Deitado, fone de ouvido no notebook,
Pegou no sono. Tranquilo.
Ali mesmo deixou este plano terreno,
Com um infarto fulminante.

A roupa ficou rodando a noite toda na máquina,
O filme rodando no notebook,
A luz acesa
E o telefone a tocar durante o dia seguinte inteiro.

Maratona sem ser corrida.
Equipe de revezamento desclassificada,
Ligações sem respostas.
Só as últimas mensagens da noite anterior.


domingo, 14 de junho de 2015

Orientação

Sua tentativa foi em vão.
A bala entrou, mas desviou-se, no osso,
Da parte vital na cabeça.

Socorrido, o médico que o atendeu estava estressado.
Achava injusto interromper outra emergência,
Para atender a esse, que falhou no suicídio.
Em um estado que beira o coma e a consciência,
O paciente acompanhava em silêncio tudo o que se passava.
"Cara burro, nem se matar sabe.
Se quer atirar, que atire dentro da boca."

Ao se recuperar, voltar para casa,
O paciente ficou com aquelas palavras na cabeça.
Na primeira oportunidade,
Pegou a arma, atirou dentro da boca.
Dessa vez eficaz, como indicara o médico.