quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Humilhados e ofendidos

Fiódor Dostoiévski, um escritor russo que viveu de 1821 a 1881, chama a atenção por sua verdade na escrita. Não li muitas coisas dele. Mas sem dúvida, uma de suas obras, uma das menos divulgadas também, me deixou grandes lembranças. O título foi publicado originalmente no início da década de 1860. O exemplar que tenho data de 1962, velhinho, semi-ruído pelas traças e de folhas amareladas. Emprestei da mãe da minha ex-namorada. Li. Devolvi-o e emprestei de novo. Li novamente e ainda não consegui devolvê-lo.
Em Humilhados e ofendidos, o autor russo expõe uma tese presente em todas suas escritas: quem não sofre, não pode ser bondoso com o próximo. Quem não passa por processos de sofrimento, não será capaz de ser nobre e agir com amor para com o irmão, passando a ser ofensor e humilhador. Parece polêmico, mas ao longo da narrativa isso é explicado.Conflitos do ser humano, que muitas vezes é escondido e teme vir à tona. Amores e desamores extremos, a busca pela riqueza, mesmo que para isso, seus aspirantes joguem com o amor, como se este fosse uma carta na manga, pronta a ser lançada ao mais fraco.
Classes ofendidas, com suas vidas cheias de misérias e sem expectativas, buscam o poder existente no outro, e este outro usa de seu poder para humilhar os mais vulneráveis.
Personagens de duelam, em busca de um amor, mesmo que seja por meio da possessão do outro, por meio da humilhação de quem se gosta.
A solidão também é explorada nas páginas. A ruas de São Petersburgo, a Praça Vermelha silenciosa e solitária à noite...
A personagem central, que observa e participa da história, se confunde muitas vezes com a vida do próprio autor. O "homem subterrâneo" que teme em vão em aparecer, em mostrar seus extremos e, muitas vezes, suas situações "anormais".
Uma leitura válida, sem dúvida, pelo caráter humanamente real, pela característica nebulosa do ser que tanta polêmica causa a si mesmo - o homem.

A essa história eu diria que vários temas musicais se encaixam, mas neste caso, escolho duas opções. Elas expressam, para mim, o lado mais fraco, do humilhado, ofendido...


A primeira, de Samuel Osborne Barber (1910-1981), é um Adágio para cordas. É um tema concebido em tempos modernos, sob influências dos grandes nomes de séculos passados. Ficou conhecido por ser tema do filme Platoon (de Oliver Stone, de 1986), que trouxe de uma forma muito bem concebida o terror da guerra do Vietnã.
A canção, para mim, descreve um sentimento de culpa, em um tom extremamente reflexivo, como se rememorando todos os passos, erros cometidos. Culpa, choro: o reconhecimento:
A segunda, um também adágio, porém barroco (em Sol menor) e de Beethoven, expressa um outro lado da culpa: o arrependimento. Para mim, esse tom também reflexivo acaba em um ambiente mais positivo, onde o errante olha para o que cometeu, mas sabe que é tempo de se voltar para consertar. Parece doido pensar assim, mas é essa a impressão que tenho ao ouvir:


Adágio (do italiano, adagio) é um movimento lento na música clássica, normalmente abrindo passagem para movimentos mais alegres, como vivo por exemplo.

É isso...

:-]

8 comentários:

Clélia Riquino disse...

Duas ótimas escolhas de trilha sonora, Eli. Descobri que adoro adágios... São tristes, melancólicos, reflexivos, mesmo, como você diz. O de Platoon, reconhecível, angustiante, traz de volta as imagens das bombas de napalm sendo lançadas, atingindo o solo e incinerando tudo! Os helicópteros resgatando soldados feridos. Guerra - coisa mais estúpida, atroz, hedionda!

bjão,
Clé

ET: Preciso ler Dostoiévski. Arnaldo começou, mais de uma vez, Crime e castigo, sem conseguir sair da 4ª página... Não tentei.

Eli Carlos Vieira disse...

Adágios são perfeitos! Adoro-os também. Esses dois postados são meus preferidos.
Realmente Dostoiévski é especial. Denso, complicado, mas fundamental. Já li Crime e castigo e me apaixonei por Humilhados e ofendidos.

Preciso voltar ao meu "piano" (no teclado) e tocar esse adágio barroco de Beethoven.

Obrigado pela visita!
:-]

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Tenho algum problema mal resolvido com Crime e Castigo. Na verdade, nesta última tentativa, fui até o quarto capítulo (e não a quarta página como disse a Clélia, exagerada!). A culpa pode não ser do livro e nem minha. Pode ser a tradução que, na edição que eu tenho, é péssima.

Uma amiga, a Lulu, me indicou uma edição com uma tradução melhor. Talvez seja isso. Há uma edição, da 34, cuja tradução foi até premiada. Está meio difícil de encontrar.

Gostei muito do Adágio do Samuel Barber. Bem tenebroso, como todo adágio deve ser.

Anônimo disse...

Eli, só li Crime e Castigo porque fiquei curiosa quando o Dirceu usava essa leitura como ameaça pra quem falhasse na matéria dele. Não sei se já comecei a ler com o pé atrás por causa dele mas não poso dizer que adorei o livro.

Nunca li o livro que você mencionou, mas de certa forma acredito bastante nessa teoria. Você sabe que eu vivo querendo resolver os problemas alheios, né? Em grande parte porque me coloco na situação da pessoa e caso isso acontecesse comigo eu gostaria de ajuda.

Adágios... Nunca tinha ouvido falar disso. Sua amiga está ficando burrinha agora que está longe de você... Mas agora aprendi...

Clélia Riquino disse...

Ops, perdoe(m) a falha, me enganei (4° capítulo, 4ª página, faz uma puta diferença!).

Eli Carlos Vieira disse...

Arnaldo,
Realmente a tradução fica a desejar às vezes.
A versão que tenho apresenta umas palavras muito fora de uso, inclusive com grafia diferente, como "exacto" entre outras...
Complicações de se traduzir um russo!

Eli Carlos Vieira disse...

Bá, realmente lembro dessas referências do Dirceu!
Sem falar em "Ilusões perdidas de Balzac" - clássicas frases, lembra?!

Decorar nomes técnicos não são tão importantes, assim na música, basta apreciar a sensação que ela traz!
Saudades de vc amiga!

Eli Carlos Vieira disse...

Clélia,
Estás perdoada :-]
Mas é uma leitura pesada mesmo...