segunda-feira, 29 de junho de 2009

Disputa no condomínio

Dia de reunião de condomínio é uma guerra.
Em eleição de síndico, então, a coisa fica séria.
É quando se vê uma legião de donos de apartamento,
Querendo se livrar de suas mensalidades,
E viver a vida de “isento” de síndico.
Mas, atolados em dívidas de condomínio atrasado,
Nem candidatos podem ser.

Para quem não se elegeu,
Fica ainda o objetivo
De até tirar o cargo de faxineiro ou zelador,
E tomá-lo para si,
Diante da estabilidade que há no ofício.
Visto nos valores discriminados todo o mês ao prédio.

Para o assalariado, que pouco sempre teve,
Parece ter sido mais fácil investir em sua casa, carro,
E formação básica para os filhos, que hoje estão todos empregados.

Já os “bem de vida”,
Diante do quase nada que conseguem manter atualmente,
Colocam os olhos no salário do funcionário bem pago do prédio.
É questão de sobrevivência.
É quando se pensa que vale tudo.
Desempregar o empregado,
E empregar a si mesmo.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O violoncelista de Sarajevo

Longos quatro anos de cerco à Cidade,
Bombas, granadas e outros meios artifícios,
Que tiravam vidas, despedaçavam outras,
E ameaçaram muitas mais.

Em meio ao som explosivo, bruto e sangrento,
Acordes de uma composição barroca,
Solene, piedosa, muito triste,
Com momentos de positivismo, de reação,
E toques de relutância,
Executada apenas por um violoncelo.

Todos os dias, às mesmas e sempre 16 horas,
O violoncelista parava em frente a um prédio,
E executava a mesma canção.
Assim seria por 22 dias.

Pois 22 era o número de mortos,
Que encontravam-se certa vez naquele horário, em uma fila de padaria,
Quando tornaram-se alvos de uma bomba.
E perderam para sempre suas histórias.

Quem passava por perto,
Em busca de algum lugar com água para sobrevivência, ouvia.
Quem permanecia em casa,
Por medo e também sobrevivência, também ouvia.
O som ecoava e por alguns minutos dava esperança e alimento.

O músico não sabia ao certo do que, de fato, se tratava aquele ato,
Protesto, homenagem ou luta.
Simplesmente algo o movia todos os dias,
Em seu traje de gala, indiferente aos tiros ou ameaças.
E até a uma possível nova bomba ali.

O protesto se seguiu até o 22º dia,
Sem que o artista fosse eliminado.
Sem que seu adágio fosse sequer interrompido,
Sem que seu espírito de revolta desaparecesse.

Talvez a força esteve mesmo em seu discurso,
Em sua música,
Em sua luta em clave de Fá,
E com muito respeito.
Aos mortos, à vida e à liberdade.
Foto: Mikhail Evstafiev

Qual valor?

Andam a dizer por aí que o hino dos jornalistas (sem valor em seus diplomas) é:

"Você não vale nada, mas eu gosto de você!
Você não vale nada, mas eu gosto de você.
Tudo que eu queria era saber por que,
Tudo que eu queria era saber por que."

terça-feira, 23 de junho de 2009

Desejo de ser traído

O homem chega em casa,
Na residência que não mora mais.
(Decidira que assim seria,
Desde que passara a ter desentendimentos com a esposa.)

Entra, percebe um barulho estranho, vindo do banheiro.
Como se houvesse alguém além da mulher em casa.
E havia mesmo.

Um rapaz de quase de 30,
Vinte anos a menos do que ele,
Cantava no box, acompanhando o som alto da sala.
Tomava banho sossegado,
Usando o xampu dele, o sabonete dele.
E provavelmente até sua toalha.

Surpreendido, o rapaz sentiu-se confuso.
(Escondia a nudez? Começaria a defesa?...)
O homem que acabara de chegar também estava confuso.
Este seguiu os rastros ali deixados.

Uma embalagem rasgada de camisinha,
O preservativo utilizado e flácido mais adiante,
Seguido da cueca,
Da calça e, por fim,
A cama.

Mas deitada não estava a esposa.
Ele não fora traído.
(Assim que essa constatação da não traição veio,
Desejou que esta tivesse ocorrido de fato.)
Era a filha,
De quinze anos.
Que tinha aquele cara como ficante já há um mês.
“Sem essa de idade, né pai?”

Em resposta, o pai pegou as roupas do ficante,
E chamou a polícia.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Esquizofrenia

Mulher decidida, daquelas de eventos.
Ia completar mais um aniversário.
O primeiro ano, desde que fizera 30.
De presente, descobriu seu namorado tinha outra.
Rompeu tudo. Acabou.

Ele, o traidor, sem aceitar,
Foi atrás dela,
A insistência foi mais longe e profunda:
Dezenas de facadas nela.
O famoso “Se não é minha, de ninguém será!”

Ela fica fora do mundo por um tempo.
Quase não volta.
Quando o fez, se viu em meio a surtos.
Transtornos, desvios e momentos em que saía de si mesma.
Aliás, nunca mais fora a mesma.
Marcas...
Traumas.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

De jornalista a contador de histórias

"Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área."

Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, para defender a aprovação da Lei de Imprensa (aprovada ontem 17/6), que determina que jornalistas não precisam mais de diploma para exercer a profissão.

Ao fotografar

"Muitos me perguntam como é que faço tão belas fotografias.
É simples.
Eu sempre digo:
'Quando vou registrar, faço de tudo,
De tudo para não estragar o que Deus fez.'"

Frase de Alyson Montrezol, fotógrafo de Praia Grande.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Explosão na parada

Domingão, 14 de junho.
A 13ª Parada do Orgulho Gay em São Paulo.
Orgulho e a busca por direitos.
Muitos direitos.

Sobretudo o direito de ter direitos,
Sempre que pessoas que não toleram sua existência,
Partirem para ataques, agressões, violências.

Para isso, parece que alguns preconceituosos,
Para testarem as atuais leis que beneficiam gays e afins,
Resolveram soltar uma bomba,
Feriram pelo menos 21 pessoas,
Nas imediações do Largo do Arouche.

Mais adiante, um rapaz de 17 anos foi agredido por homens desconhecidos.
Na rua, sangue e pequenos recortes de roupa sobraram,
Para evidenciar o traumatismo craniano que sofrera.

Agora é ver se o teste feito por possíveis homofóbicos,
Dará certo ou não.
Haverá investigações? Punidos?
Um deles diz,
“A pessoa que arremessou não sabe quem estava ali,
Se era gay ou não. Somos todos pessoas.”

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Morte inevitável

Após a raiva de ter perdido um voo no Brasil para a França,
Sentiu-se aliviada em saber do acidente em que estaria envolvida,
Se caso tivesse chegado a tempo para o embarque,
O que ocorreu com 228 passageiros.

Não sabia que seu alívio não duraria muito.
A senhora acabou por envolver-se em um acidente.

O carro em que estava, na Áustria,
Bateu em um caminhão.
Morte na hora para ela.
Seu marido, que também perdera com ela o voo à França,
Fica em estado grave.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Um trocado para ajudar

Ela não tem nada.
Entre suas escolhas para esta noite estão
Em qual semáforo irá pedir dinheiro,
Ou em qual lugar ela terá mais lucro.

Agora, ela está no ônibus.
Olha as pessoas que entram,
Que saem.
Sorri, fecha os olhos,
Às vezes pensa que realmente existe.
É quando alguém estranho a olha,
Estranhando o sorriso dela,
Em sua sujeira e falta de cuidado próprio.

Agora, ela olha para o banco de trás.
E um rapaz a olha, de frente.
Belos olhos observando,
Tentando adivinhar o que "essazinha" busca nele.
É quando, por um pequeno instante,
Ela pensa que faz parte da vida dele.

Fica tarde, ela ainda tem fome.
Todo o dinheiro que conseguiu
Não foi o bastante para a alimentar,
Em seus desejos naquele dia.

O ônibus chegou onde tinha de parar.
As pessoas estavam descendo.
Ela, mesmo contra sua vontade,
Também tinha de sair dali.
É quando ela realmente percebe que está só.

E assim tem estado há muito tempo.
Os belos olhares para ela,
Que na verdade eram de estranhamento da parte dos “olhadores”,
Não foram suficientes para lhe dar companhia agora.

É hora de dormir.
Sem olhares,
Sem comida, dinheiro, companhia.
Sem ter nada, além de sono.



Na canção, "Menino das laranjas" (Théo de Barros), com Elis Regina:



Na outra canção, "O menino do amendoim" (José Messias), com Trio Esperança:

terça-feira, 9 de junho de 2009

Substituição

Uma ligação, telefonema.
Uma conversa inesperada,
Uma proposta alimentada.
Uma noite a dois no apartamento dele.
Para quebrar a noite de domingo.

Transa boa,
Aliás, única.
Sem pudores,
Mesmo sendo entre desconhecidos que eram.

A tradicional conversa pós-tudo, lado a lado,
Na cabeceira da cama.
Antes das vestes retornarem,
Aos corpos (suados) aos quais pertencem.

“Nisso tudo, não te falei uma coisa...”,
Inicia um deles, de lençol sobre sua nudez.
“O quê?”, teme o outro, que veste a cueca.
“Eu tenho uma namorada!”
Surpresa e silêncio.

“Quem não dá assistência,
Abre concorrência,
E perde a preferência”,
Prossegue, em meio a um sorriso,
Daqueles de quando o cara acha que diz algo óbvio.

Sem saber o que dizer,
Ele continua o papo com o cara.
Sabendo que também não pode salvar o mundo.
Sai, então, com mais essa para sua coleção.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Homem também chora

Ele saiu com o casal que há tempos vem trocando mensagens.
Um divertimento moderno a três, após uma leve prévia na semana passada.
Um quarto de motel, conta rachada entre ele o marido dela.
Para os dois, seria a primeira vez que incluíam um outro cara na relação.
Para ele, o incluído, não se tratava de estreia. Há tempos.

O clima aconteceu rápido com o novo elemento na cama,
E a ajuda de uns comprimidos,
Rolou duas vezes seguidas.
Uma parada para conversa, o trio resolveu se conhecer.

No papo, ele fez algo diferente, se abriu ao casal.
Disse sobre a existência de sua esposa,
Falou sobre dificuldades que ela vem enfrentando,
Com diversas idas a hospitais, por problemas ainda não identificados.
Fez ainda um pequeno relato de suas décadas ao lado dela.

Esse tipo de conversa causou um efeito estranho nele.
Mesmo sobre efeitos de estimulantes,
No auge da noite, que pretendiam estender por mais horas,
Mesmo com toda experiência em saidinhas com casais,
Sentiu-se mal, mas consigo mesmo. Nem deixou transparecer aos namorados.

Por fim, ele vai para o banheiro,
Ter suas lágrimas escorrendo junto com a água do chuveiro,
Pois ele também chora.
Enquanto isso, deixa o casal na cama, que a essa altura estava empolgado,
Nem sequer notaram a turbulência em que o cara experiente se enfiou.

Para ele, ficou claro que nessas horas não deve falar de seu lado pessoal.
Ou que deve começar a pensar nesse tipo de relação que leva.
Pesar as aventuras que tem com mulheres diferentes,
E as saídas com casais,
Enquanto sua mulher está em casa.

Talvez fique com a primeira opção,
É a que mais sabe fazer,
É a mais fácil de cumprir.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Manias de cada um

É em tempos de desastres aéreos que eles lembram de reforçar ainda mais o medo que têm.
Desde que tornaram-se pais, sentiram o peso de ser responsáveis por alguém.
São três crianças, pelas quais nutrem um amor incondicional.

Tiveram a sorte de trabalhar juntos,
Na verdade é o meio em que se conheceram.
Quando vieram os pequenos,
Uma nova mania foi agregada à vida do casal.

A cada viagem a trabalho,
Em que era necessária a presença de ambos,
O voo era feito de forma separada,
Em aviões diferentes. Medos separados.

A regra se estendeu às viagens de férias da família.
Ficava difícil entender e também de planejar.
Quais dos três filhos iriam com a mãe ou com o pai?
A certeza é que pai e mãe nunca viajariam juntos.

Para eles, trata-se de uma segurança,
Para qualquer ocorrido trágico que venha a surgir na viagem de avião.
Se um dos aviões cair, explodir ou se acidentar,
Nunca matará pai e mãe ao mesmo tempo.
E assim, a certeza de que os filhos nunca ficarão totalmente órfãos.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Quase assalto

Foi sentar-se na praça em frente à praia,
Precisava demais dar uma respirada de seus problemas, consigo mesma.
No banquinho escolhido, dois rapazes chegaram.
Para ela, era assalto na certa.

Ela começa a rir, mas não era de nervoso ainda.
Um dos rapazes fica bravo,
“Tá olhando o quê?”
"Estou olhando você", disse a menina que conseguira segurar o riso.
"A gente veio aqui pra te roubar", disse ele.
"Tudo bem", disse ela em resposta, nunca deixando de olhar para ele.

A cena muda.
Eles começam a lançar perguntas,
E a moça, passa a chorar.
Eles explicam que colocariam uma arma na cabeça dela,
E pediriam o celular, mas haviam desistido disso.
“Porque você olhou pra gente.
Ninguém nunca olhou pra gente.”

Mais choro dela, agora de medo.
Na conversa travada,
Um deles tinha 21 anos (mais de dois deles na cadeia).
O outro, nada revelou.

A essa altura, os assaltantes se preocupavam:
“Quer que a gente te leve em casa?”
Recusada a oferta, a garota quis saber porque eles assaltam.
“Porque a tentação a grande e o dinheiro é pouco.”

A menina é engajada em projetos com comunidades e bairros,
Além de ser defensora do meio ambiente.
Chegou até a pedir contatos dos jovens,
Mas por fim, deu seu endereço de e-mail.

Ela acredita que um olhar foi o fundamental.
Não somente para que impedisse de ter pertences levados,
Mas para mudar o dia daqueles dois,
Que sempre marginais,
Nunca sentiram-se como seres existentes.

Quando olhados, sentiram-se diferentes,
E esqueceram-se até da tentação que tinham,
Em assaltar, roubar. Crime.

Música de Haydn

Franz Joseph Haydn.
Nascido em 31 de março de 1732.
Enquanto criança, era admirado por sua voz.
Era soprano, em um coro em Viena, Áustria.
Aos 18, sem ter mais cor vocal como antes, foi expulso do grupo.
Viveu na rua.
Nas voltas, conseguiu chegar a mestre de capela, coordenando importantes orquestras de câmara.
Teve Wolfgang Amadeus Mozart como um grande amigo.
Mesmo 24 anos mais velho que o garoto, nele tinha amizade recíproca e única.
Haydn considerava Mozart um gênio sem igual.
Para Mozart, Haydn era mestre.

Certa vez, Haydn devia ir a Londres,
Mozart tentou fazê-lo ficar, pois ele estava doente.
Mas Haydn iria mesmo assim.
Ambos se despediram, pensando que poderia ser a última vez.
E foi mesmo.
A surpresa maior é que Mozart (e não o adoentado Haydn) morreria naquele inverno de 1791, aos 35 anos.

Haydn ainda viveria.
De volta a Viena, começa a ter sinais de debilidade.
Entre as peças do considerado auge de sua carreira, está “A Criação”.
Em 31 de maio de 1809 morre em casa,
Aos 77 anos.
Religioso, sempre colocava ao final de seus manuscritos alguma expressão,
Como “Laudate Deo” (“Glória a Deus”).
Mais tarde, Haydn, Mozart e também Ludwig van Beethoven,
Seriam considerados a "Trindade Vienense" da música.
Um pouco do barroco e romântico.

Entre as obras, uma é preciosa: “A Criação” ( do alemão “Die Schöpfung”).
O oratório, de 1797, que explica o surgimento do mundo,
A partir do livro Gênesis (da bíblia) e do poema "O Paraíso Perdido", de John Milton.

Em algumas partes é possível visualizar, entre os instrumentos de sopro, o surgimento do Caos,
Ou ainda a criação dos elementos, onde céu, terra, mar, animais,
Vão sendo criados, vivos em cada nota, até chegar ao amor de Adão e Eva.

Em 2005, Coro e Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo interpretou a peça,
Entre os solistas, o baixo português João Fernandes.
Belo timbre, notas graves e naturais.
Carisma, expressividade ao máximo,
João Fernandes era mesmo o destaque do grupo,
Que tinha ainda a soprano Rachel Harnisch e o tenor Jörg Dürmüller, ambos suíços.
Mas João cativou, muito além da técnica.
Um misto de menino audacioso,
Com seriedade única, na medida que era exigida!
Carisma mesmo.
Talvez por ser português, próximo ao brasileiro.