sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Frustração alheia





Com tantas obras cinematográficas, tantos temas já batidos, toda vez que se vê um título como este, acredita-se que já se viu de tudo. Mas não é sempre assim. O filme ‘O vencedor’ (The fighter, de David O. Russell, 2010) é de surpreender qualquer baixa expectativa que leve a pensar “é um filme de um fortão que luta, luta e quer ganhar a competição de sua vida”. Sim, em o ‘Vencedor’, mais um concorrente ao Oscar 2011, a ideia é semelhante sim, mas com significados diferentes – o tipo de luta que o atleta enfrenta.
Na tela, um cara de talento, porém muito passivo dentro da sua família, não consegue dizer não a eles para seguir suas escolhas, atrasando seu potencial e suas possibilidades de futuro. A família, de (muitos) membros intrometidos, problemáticos, é vinda de uma trajetória de frustração ou simplesmente da situação ‘vivendo-no-sofá-esperando-o-sucesso-chegar-à-porta”.
Este é um drama filmado de forma muito simples, mas envolvente, que faz qualquer telespectador ficar, no mínimo, revoltado e indignado com a situação enfrentada pelo lutador Micky Ward (feito por Mark Wahlberg, do tosco ‘Boogie Nights’ e do bem falado ‘Os infiltrados’). Micky cresceu vendo o irmão mais velho lutando em diversos ringues, tomando-o como exemplo. O problema é que este irmão, apesar de parecer o contrário, nunca, de fato, contribuiu para que sua carreira desse certo. Na verdade esse irmão nunca chegou ao auge na luta, por ter se rendido às drogas e assim projetar toda a falta de sucesso no irmão menor, tentando assim, se reerguer às custas dele. E não só o mais velho, mas toda a família cai em cima do protagonista.
A situação chega a um ponto máximo e desolador para Micky. E todos que assistem sentem-se atados assim como o lutador. Mas boas histórias de fracassos contam com pessoas que sempre aparecem no caminho, mostrando que era preciso e possível reagir. É quando ele encontra-se no ringue novamente, porém lutando sua própria luta.
Sequências de embates muito emocionantes, sem ser apelativas ou violentas – até são capazes de arrancar lagrimas. É o retorno por cima, incrível. Não é só a luta, não somente brutalidade: é a superação na vida, seja lutador ou garçonete de bar. E mais – a superação de um fracasso (descobre-se) que não era seu, mas de outro. Algo muito parecido ao efeito “mãe fracassada que pressiona o sucesso da filha” visto no ‘Cisne Negro’.
É dica válida, inclusive, porque não, para estar entre os favoritos. É absorvível em sua simplicidade. É linear e correto e cumpre a mensagem que se dispõe a passar.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Aquele que tem a voz





Problemas todos têm. Conflitos e traumas carregados, qualquer um está passível de ganhar. Agir é a saída, mas nem sempre o caminho mais fácil. Apoio é fundamental, mas nem sempre é oferecido ou quando se apresenta é transformador demais, joga verdades na cara e causam medo num primeiro momento, até, por fim, ser recebido e aceito.
‘O discurso do rei’ (The king's speech, 2010, Tom Hooper) é um dos favoritos na corrida pelo Oscar 2011 e faz por merecer quase todas as 12 indicações que possui. Uma ótica diferente e suave ao extremo. Um filme que passa serenidade quase que infantil, transita entre cenas que beiram o cômico de bela sutileza e a sensibilidade tal qual a de quem sofre de gagueira. Muito claro, direto e sem abordar o épico de forma pesada.
Um filme que trata de um problema difícil de ser enfrentado, sobretudo a um ícone da política de seu país. É a gagueira que se apresenta em momento em que a voz se faz mais do que esperada: é fundamental para a situação vivida de prenúncios da guerra. Destaques: para as cenas muito bem elaboradas de ângulos levemente acima da cabeça do rei (fotografia de Danny Cohen), mostrando uma autoridade em suas aflições, desafios e medos, sem ser apelativo; e destaque ainda para a junção perfeita entre o principal Colin Firth (rei George VI) e seu polêmico ajudante Geoffrey Rush (o fonoaudiólogo nada convencional Lionel Logue). A atriz que faz o papel de esposa do rei, Elizabeth (Helena Bonham Carter), aparece de forma notável, discreta, mas marcante, muito longe das mulheres exageradas e exóticas de "Sweeney Todd - O barbeiro demoníaco da rua Fleet", "A fantástica fábrica de chocolate", "Alice no país das maravilhas", além dos "Harry Potters".
Filme válido, mensagem direta e obra muito feliz ao abordar de forma serena (sem dramalhões de arrancar lágrimas ou agitar as cenas num quase suspense) problemas que são o terror e constrangimento para muitas pessoas.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Para não se reprimir



Enrique Martins Morales, de Porto Rico, quase 40 anos. Uma vida considerada, sim, de sucesso, desde a infância. Recentemente se viu no desafio de se abrir para o mundo e revelar segredos antes temidos até mesmo por ele. Antes disso, um turbilhão de acontecimentos, ocorridos, altos, baixos...

Pelos rumores antes do lançamento do livro "Eu" (2010, pela Planeta), onde o cantor Ricky Martin abriria sua vida (ou parte dela), muitos puseram-se a esperar uma obra biográfica que revelaria um lado promíscuo e altamente sexual de um cantor recentemente assumido gay. Mas o astro pop contrariou as cogitações.

Mesmo sendo sempre referência de cantor latino, sensual, erótico ou sucesso entre as mulheres, em seu 'Eu', Ricky traz uma versão de si mesmo bem mais íntima, mais de casa, mais real, bem mais ao estilo Kiki (forma como é conhecido entre os seus). As páginas guiam o leitor para outros fatos, talvez tão ou mais importantes do que a saída do armário do ex menudo, como a contratação de uma barriga de aluguel, que lhe deu uma dupla de meninos.

A trajetória de sua carreira é bem descrita. Disco a disco, show a show. O sucesso em seu país, depois nos EUA e até chegar a representante numa copa do mundo.
Coisas simples atraem pela sinceridade, como o fato de sentir-se inferior, por seu inglês com sotaque fortemente latino, que quis mudar a todo o custo. Hoje ele vive entre casas na duas Américas, a Central e a do lado Norte.

Se alguém acha que vai encontrar relatos de tirar o fôlego de transas com homens (e também com mulheres), engana-se; se procura relatos mega dramáticos sobre sua decisão de assumir-se gay, não o encontrará, nem lágrimas sequer; se acha que será um diário com fofocas do meio artístico desde a época do grupo pop latino, melhor esquecer.

'Eu' é simples, mas é uma ótima leitura para quem quer aprender sobre questões da vida, como aproveitar cada dia, dar valor a coisas pequenas do cotidiano; saber dizer não quando a vida de artista insiste em apagar a vida pessoal; ou como saber dizer sim, ao seguir seus desejos, vontades e posições (esse assunto não é novidade no mercado literário). Além disso, é um rico relato sobre desafios enfrentados em nome da busca pela fama e reconhecimento de seu trabalho. Discos que eram gravados de forma louca enquanto cumpria agendas em todo o mundo, além das dúvidas sobre si mesmo, tudo, tudo ocorrendo ao mesmo tempo.

'Eu' é um testemunho pela vida, pela busca da realização interior, pelo encorajamento (não somente de gays a assumirem sua sexualidade reprimida e mal vivida). É um livro de ajuda, sem ser piegas demais, pois a escrita de Ricky passa sinceridade até mesmo àqueles que já no início da leitura se aborrecem com algumas repetições de narração, que na verdade são retomadas de uma assunto, para explicá-lo melhor e contextualizá-lo com o fato que viria adiante. Aliás, estas retomadas são constantes e dão a nítida impressão de que Ricky está sentado de frente para quem o lê, contando cada detalhe, de forma tão simples, que faz com que a leitura seja até mesmo considerada sem sal, sem fatos radicais, com declarações que nem fazem chocar. Nada, nada é abusivo, gratuito ou apelativo. Tudo é sobre família, sobre alma, sobre espiritualização, aceitação, agradecimento à vida, à família e à vida novamente.

Uma leitura válida. Pode ser tida como fria e ficar distante dos melhores livros lidos nos últimos tempos. O que seria um diferencial? Talvez nem haja. Ele ser artista latino, que gravou seu nome e identidade no mundo? Talvez. Seria o fato dele ser considerado sexy symbol das mulheres, mas os relatos mostram que ele sempre preferiu os homens? Quem sabe.

Enfim, a leitura vale ainda assim. Vale pela curiosidade e pela (novamente) sinceridade. Justamente por sair do óbvio, por sair do "cantor pop fala abertamente sobre a lixeira do mundo de um artista pop". Mesmo. Mas desde que se leia sem esperar sensacionalismo, sexo explícito, contos vulgares e etc. Desde que se saiba que está a ler um humano que abre o que há de mais forte em sua vida: suas crenças, pelas quais valeu, de acordo com ele, lutar até o final.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sem ninguém para recorrer







Uma regra que se aprende no lar é nunca sair sem dizer para onde se vai, com quem estará, a que horas voltará. Muitos não se dão conta, mas estas precauções são primordiais, tendo em vista que a partir do momento em que se acorda, qualquer um está passível de passar por qualquer situação, que, em alguns casos, pode alterar radicalmente a vida que se leva. É quando o dito popular "para morrer basta estar vivo" tem real significado e probabilidade de acontecer, a qualquer um, em qualquer dia, hora.
O filme "127 Horas" (127 Hours), agarra-se a uma ideia absurdamente simples para conduzir o pouco mais de uma hora e meia em tela. A direção é de Danny Boyle, que dispensa apresentações. Basta dizer que o cara é aquele que causou revolução em "Quem quer ser um milionário?" (Slumdog Millionaire, 2008). Em '127' a assinatura dele aparece nos primeiros segundos. Seu dinamismo e inovação são brilhantemente óbvios no longa, tanto na adoção de divisões da tela em duas e três cenas ao mesmo tempo, ou trazendo, novamente, o maior criador de trilhas sonoras do maior mercado de cinema (a Bollywood), o indiano A. R. Rahman! Parceria fantástica.
A trama gira em torno de um aventureiro incorrigível, o Aron Ralston (James Franco, de "Milk”, 2008) , que, em certos momentos, abdica até um pouco de sua vida social, para viver solitário em montanhas e lugares onde explora seu espírito radical. Este alto conhecimento e segurança no que faz é fundamental para o progresso de sua atividade, sua exploração, descoberta e aprendizado, mas também torna-se seu mal - excesso de segurança rouba certa parcela de atenção a coisas simples que podem caracterizar-se em riscos e acidentes fatais.
A simplicidade está no desenrolar. Em '127' Aron está preso em um local de difícil acesso, onde ele até poderia descer um nível a mais e caminhar rumo à saída de baixo e assim chegar a seu carro e retornar para casa. Mas isso não é possível. E aí está toda a tensão. Apesar de trazer clichês típicos (o sofredor que se vê obrigado a ingerir sua própria urina, água de chuva e manter a bateria de sua lanterna, para assim manter-se vivo) '127' traz o quesito “a mais“. O escalador tem sua mão presa a uma pedra que tem 1/4 de seu tamanho, impossível de ser removida. Impossível.
Com essa condição, realmente impossível de se soltar da pedra, Aron tem tempo para repensar sua vida, que vem para ele em falas antigas, como num filme, onde ele sabe de cor cada texto que agora repete, como um perfeito dublador de si mesmo. Como ele sairia dessa? Será que realmente iria sair? Esta é a pergunta chave.
Um filme exremamente dinâmico (coisas de Boyle).
É iluminado, fresco, jovem como a jovialidade do protagonista James Franco. Lindo como um dia ensolarado de céu cristalino em azul. Não é depressivo, embora motivos não faltassem. É para cima, positivo. Destaque para a trilha sonora, que sequer se aproxima daqueles violinos estridentes, trêmulos, em estacatto, que aparecem em momentos de alta tensão e pânico. Aqui impera a sonoridade de raiz que somente A. R. Rahman traz. Batidas, tom espirituoso, desafiante, tanto quanto a cena da qual se torna fundo.
Válido, '127 Horas' é surpreendente e inesperado. Tão inesperado quanto o relato de desmaios na plateia, durante primeiras exibições em Toronto. Tão inesperado quanto o fato d'ele ser baseado em fatos reais. Muito reais.