sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Queimar depois de ler

Personagens que vivem em busca da felicidade e realizações próprias, fazendo com que casamentos de anos sejam traídos e levados sem valor. Crimes que ocorrem por bestialidade absurda, derivados de atitudes e escolhas completamente ignorantes. Soa inusitado reunir essas características em um mesmo filme, e sobretudo, intitulá-lo de comédia. Assim é o longa Queime depois de ler (Burn after reading), indicado ao Globo de Ouro 2009, dos já conhecidos irmãos diretores Ethan e Joel Coen (parceria consagrada no sucesso Onde os fracos não têm vez, que surpreendeu e levou o Oscar de melhor filme este ano).

A presença de artistas conhecidos e premiados como Tilda Swinton, George Clooney, Frances McDormand e Brad Pitt, pode se considerada apenas notável diante do quesito interessante, da trama em si, que acaba por prender o expectador. Ela apresenta uma situação banal, cotidiana e que pode-se chamar de “seria trágico se não fosse cômico”.

Um dos destaques do filme, John Malkovich, é o analista que acaba de se demitir, após ser submetido a uma mudança de cargo na CIA. Decepcionado, ele decide escrever memórias de sua vida, compilando algumas informações reveladoras do tempo de serviço. Por um mero acaso, essas informações vão parar nas mãos de dois funcionários caricatos de uma academia esportiva, que sem saberem do que se trata, passam a exigir recompensa pelo material que têm em mãos.

A história, que começa complicada demais para ser uma comédia e sem nexo algum para entrar em uma categoria mais séria, aos poucos, com paciência do expectador, ganha sim, tons muito divertidos. Sobretudo porque aborda temas reais. A mulher que precisa de dinheiro para inúmeras cirurgias plásticas de beleza, que poderiam ser substituídas por exercícios físicos; a amante que cobra que do parceiro o rompimento do relacionamento estável (com uma esposa que ele mal sabe que também o trai); pessoas que passaram da meia-idade e procuram sexo fácil com desconhecidos, a partir de bate-papos na internet; e, principalmente, aqueles que querem se dar bem às custas dos outros.

Nesse último fator é que o filme se baseia solidamente. Em posse de um cd com informações pessoais às quais não têm a menor idéia do que se tratar, os funcionários da academia passam a chantagear seu dono. Se dão mal. E até mortes inesperadas e intrigantes ocorrem. Não propriamente por conta do suposto arquivo confidencial, mas sim, pela falta de tato, ao envolver órgãos e pessoas com as quais não imaginam o risco que correm. O final, revelador, arranca boas risadas de quem assiste, diante de tamanha sucessão de revelações tão trágicas quanto bizarras.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Arroz, feijão e novela

Pessoas que são capazes de qualquer crime em nome de poder, dinheiro e boa vida. Mulheres que sofrem nas mãos de seus maridos, que apanham, acreditam em falsas promessas e pedidos de perdão, e no fim, voltam à mesma situação de violência. Jovens que descobrem amores, condições sexuais e até gravidez inesperada. Histórias são cada vez mais contadas com todo o domínio da ficção e mais ligadas à realidade.

Dentro das telas, as novelas encenam um cotidiano que já não é mais difícil de ser imaginado, sobretudo vivido. Diante das telas, as pessoas assistem e se vêem em tais situações e sentem-se representadas, compreendidas e, em alguns casos, tornam-se motivadas para tomar decisões. A novela brasileira, que aos poucos deixa de ser um passatempo unicamente feminino e sem qualquer função, além da mera diversão, fortifica-se cada vez mais como um elemento de representação do meio social. Ela divide espaço com o arroz e o feijão do jantar caseiro diário.


A empregada doméstica presencia todos os dias o conflito de sua patroa, que tem um filho envolvido no mundo das drogas. Na novela, essa mesma senhora vê uma história de empresários que perdem a vida, a família e os filhos por causa do consumo de entorpecentes. Em outro bairro, um rapaz em pleno ensino médio vive a difícil tarefa de escolher uma profissão para sua vida, ao mesmo tempo em que não sabe como contar aos pais sobre sua orientação homossexual. Na novela da TV, sua história parece repetir-se, naquele personagem gay, que engana a família, casando-se com uma prostituta, para mostrar que ele é o que a própria ficção chama de “ser machão”.

Longe das brigas de emissoras, que, com competência ou não para a teledramaturgia, duelam por audiência com suas novelas, não se pode negar que em algumas exceções, o telespectador ganha um meio de ter seu cotidiano, seus anseios, sofrimentos – sua vida ali revista e encenada. E os autores dos folhetins já sabem dessa necessidade de escrever com realismo, sentimento e humanismo. Não se pode ignorar também que para combater males, preconceitos, crimes, engajar para campanhas de saúde, da não violência, a melhor forma é tocando no tema.

Não é possível falar sobre crimes, preconceitos, violência, sem fazer com que a pessoa que vai assistir, não se sinta emocionada, sensibilizada, revoltada ou chocada. A cada novo título a ser exibido em horário nobre, a promessa de fazer o público se impressionar. Expressões, atitudes e opiniões chocam. E se o fazem, é porque são reais – estão em frente à janela, nas portas de casa ou no bairro vizinho. E se é real, não deve ser encarado com floreios ou cortinas, pois o público não quer ver somente contos de fadas com seres e situações irreais, mas sim, o que vêem, vivenciam e conhecem.