domingo, 20 de maio de 2007

Diferentes modos de dizer um só

Olá!
Eis me aqui...tinha prometido a mim mesmo atualizar aqui semanalmente....ainda chego lá!


Esses dias, com minhas manias de rememorar coisas do passado (ou desenterrar do baú como diria a maioria), me peguei a ouvir um disco de Maria Bethânia, um long play de um amigo meu, que "gentilmente me deu de presente" quando a vitrola dele quebrou (para minha alegria). Ouvindo, pulei imediatamente a agulha para a faixa "Teresinha" de Chico Buarque, música sensibilíssima com uma pitada sutil de humor - dada a simplicidade e ingenuidade da "Teresinha" em falar de seus sentimentos e desejos.
Sem falar na beleza simples do arranjo da gravação, onde a introdução soa como uma verdadeira nuvem de lembranças, efeito causado pela "dança" dos violinos em destaque como se estes dessem voltas em um salão parando ao toque do piano, retomando cambaleante e a tempo. Esse efeito me faz sentir uma espécie de nuvens, daquelas que surgem toda vez que alguém pede para que se conte algo do passado, quando se fecha os olhos e diz "Foi bem assim...", e então, Teresinha começa a recordar e reviver.
Pois bem, ao ouvir essa canção, daquele novato na MPB (um tal de Chico Buarque), canção que na minha opinião é uma das mais bonitas que Bethânia já gravou, ao ouvi-la, fui repentinamente remetido a um texto que me acompanha desde os tempos de escola. O texto é "Caminhos com Maiakóvski", inspirado em um poeta russo - Vladímir Maiakóvski, conhecido no movimento futurista na Rússia no século XX. Eis aí as duas histórias:


Teresinha
(Chico Buarque)


O primeiro me chegou como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia, trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio, me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada que tocou meu coração
Mas não me negava nada, e, assustada, eu disse não

O segundo me chegou como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente tão amarga de tragar
Indagou o meu passado e cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada, e, assustada, eu disse não


O terceiro me chegou como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama, mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito posseiro, dentro do meu coração

_____________________________
Caminhos com Maiakóvski

Na primeira noite eles se aproximam,
Colhem uma flor de nosso jardim
E não dizemos nada.


Na segunda noite,
Já não se escondem:
Pisam nas flores, matam nosso cão
E não dizemos nada.

Até que um dia,
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a lua e,
Conhecendo nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada,
Já não podemos dizer nada.


Acho o efeito desse último texto surreal (costumo usar essa palavra para me referir a "amor a primeira vista" com frases, músicas, citações, ou coisas do tipo...Sabe quando você ouve algo pela primeira vez e sai dali sem conseguir esquecer?), isso mesmo, surreal, tanto que carrego comigo até hoje. E quando ouvi o "assustada eu disse não" da segunda parte da música de Chico, me veio logo esse texto falando sobre o medo de dizer não, daqueles que você se arrepende depois. A diferença é que para Chico a moça teve uma reação a tempo, na terceira parte música, mas para Maiakóvski a questão foi contrária. O "assaltante" (noturno) rouba tudo e também a coragem. Não sei se é realmente possível essa ligação, relação ou coisa parecida, dos dois textos, mas gostei do resultado.
Senti o mesmo quando vi "Ballet Stagium", grupo de dança com inovações muito interessantes, interpretar Roda Viva, também de Chico Buarque (que coisa! Esse menino ainda vai ficar famoso). Na coreografia da chamada "dança contemporânea", os bailarinos realizavam as evoluções de acordo com o efeito do refrão "Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião...". E a cada estrofe eles andavam para trás enquanto um texto era lido de trás pra frente, em cima da canção. Para o público, que já ouviu falar de "Roda Viva" em algum momento, restava adivinhar que texto era aquele lido ao contrário. Interessante, o mistério viria à tona no desfecho veloz da canção, quando as rodas "desembestam" sem direção.
E o texto lido era "José" de Carlos Drummond, tão conhecido como a letra de Roda Viva. Revelado o mistério, muitos ficaram surpresos com a semelhança dos dois textos e a forma com que ele foi adicionado à música. Mostrando a situação de um José após o efeito opressivo de uma roda que leva a saudade prá lá........
Vejam os dois textos:

Roda Viva - fragmento
(Chico Buarque)

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá

[...]
_____________________________
José - fragmento
(Carlos Drummond de Andrade)

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

[...]

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

[...]

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse a valsa vienense,
se você dormisse, se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

[...]

Uffa....acho que para semanas sem escrever, chega, né?! Não sei se realmente é possível ver uma relação entre esses textos todos...mas acho que a palavra opressão cabe a todos eles. Me perdoem o excesso de aspas e parênteses, às vezes acho que divago demais.....

eLi
:-]

7 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal essas ligações.
Acho que na arte tem muito disso, afinal como você intitulou, são vários modos de dizer um só.

Gostei muito do texto (que não conhecia) de Maiakowski, forte e instigante.
Abs, amigão

Clélia Riquino disse...

E então, Eli, tentou colocar som no blog?

Eli Carlos Vieira disse...

Tentar, tentei, mas não achei ainda o comando correto para isso...
:-/

Clélia Riquino disse...

Como assim? Cadastrou a(s) música(s) no Goear ou Jigg? Conseguiu o(s) código(s) da(s) música(s)? Agora, basta fazer um hiperlink, com cada um dos títulos, na caixa onde você criou o post ((selecione, com o mouse, a palavra "Teresinha" e clique no ícone de hiperlink - um mundo cercado por uma corrente - digite, na caixa, o código obtido no programa de música. Faça o mesmo com "Roda viva".). É simples... Era esta a sua dúvida? Qquer coisa, entre em contato!

bjo,
Clé

Clélia Riquino disse...

Eli,

Qdo a gente clica em "Teresinha", cai na música do Philip Glass, "Morning Passages", qu'eu pus no meu blog. Acho que você pegou o código errado. Dê uma olhadinha... Já "Roda Viva", com Chico & MPB4, a gravação antológica, 'tá ok.

bjo,
Clé

Clélia Riquino disse...

No GOEAR, há duas versões de "Teresinha": uma, com Mª Bethânia e outra, com Paula Morelenbaum. Dê uma olhada...

Eli Carlos Vieira disse...

A tempo...
Achei um livro de Maiakóvski e fui direto procurar o texto aqui citado. Não achei!!

Descobri, por fim, que o texto não é de Maiakóvski, mas de um poeta fluminense (Eduardo Alves da Costa), feito nos anos 60.
Tudo teve início quando publicaram de forma errada o texto, com autoria do poeta russo.