terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Para não se reprimir



Enrique Martins Morales, de Porto Rico, quase 40 anos. Uma vida considerada, sim, de sucesso, desde a infância. Recentemente se viu no desafio de se abrir para o mundo e revelar segredos antes temidos até mesmo por ele. Antes disso, um turbilhão de acontecimentos, ocorridos, altos, baixos...

Pelos rumores antes do lançamento do livro "Eu" (2010, pela Planeta), onde o cantor Ricky Martin abriria sua vida (ou parte dela), muitos puseram-se a esperar uma obra biográfica que revelaria um lado promíscuo e altamente sexual de um cantor recentemente assumido gay. Mas o astro pop contrariou as cogitações.

Mesmo sendo sempre referência de cantor latino, sensual, erótico ou sucesso entre as mulheres, em seu 'Eu', Ricky traz uma versão de si mesmo bem mais íntima, mais de casa, mais real, bem mais ao estilo Kiki (forma como é conhecido entre os seus). As páginas guiam o leitor para outros fatos, talvez tão ou mais importantes do que a saída do armário do ex menudo, como a contratação de uma barriga de aluguel, que lhe deu uma dupla de meninos.

A trajetória de sua carreira é bem descrita. Disco a disco, show a show. O sucesso em seu país, depois nos EUA e até chegar a representante numa copa do mundo.
Coisas simples atraem pela sinceridade, como o fato de sentir-se inferior, por seu inglês com sotaque fortemente latino, que quis mudar a todo o custo. Hoje ele vive entre casas na duas Américas, a Central e a do lado Norte.

Se alguém acha que vai encontrar relatos de tirar o fôlego de transas com homens (e também com mulheres), engana-se; se procura relatos mega dramáticos sobre sua decisão de assumir-se gay, não o encontrará, nem lágrimas sequer; se acha que será um diário com fofocas do meio artístico desde a época do grupo pop latino, melhor esquecer.

'Eu' é simples, mas é uma ótima leitura para quem quer aprender sobre questões da vida, como aproveitar cada dia, dar valor a coisas pequenas do cotidiano; saber dizer não quando a vida de artista insiste em apagar a vida pessoal; ou como saber dizer sim, ao seguir seus desejos, vontades e posições (esse assunto não é novidade no mercado literário). Além disso, é um rico relato sobre desafios enfrentados em nome da busca pela fama e reconhecimento de seu trabalho. Discos que eram gravados de forma louca enquanto cumpria agendas em todo o mundo, além das dúvidas sobre si mesmo, tudo, tudo ocorrendo ao mesmo tempo.

'Eu' é um testemunho pela vida, pela busca da realização interior, pelo encorajamento (não somente de gays a assumirem sua sexualidade reprimida e mal vivida). É um livro de ajuda, sem ser piegas demais, pois a escrita de Ricky passa sinceridade até mesmo àqueles que já no início da leitura se aborrecem com algumas repetições de narração, que na verdade são retomadas de uma assunto, para explicá-lo melhor e contextualizá-lo com o fato que viria adiante. Aliás, estas retomadas são constantes e dão a nítida impressão de que Ricky está sentado de frente para quem o lê, contando cada detalhe, de forma tão simples, que faz com que a leitura seja até mesmo considerada sem sal, sem fatos radicais, com declarações que nem fazem chocar. Nada, nada é abusivo, gratuito ou apelativo. Tudo é sobre família, sobre alma, sobre espiritualização, aceitação, agradecimento à vida, à família e à vida novamente.

Uma leitura válida. Pode ser tida como fria e ficar distante dos melhores livros lidos nos últimos tempos. O que seria um diferencial? Talvez nem haja. Ele ser artista latino, que gravou seu nome e identidade no mundo? Talvez. Seria o fato dele ser considerado sexy symbol das mulheres, mas os relatos mostram que ele sempre preferiu os homens? Quem sabe.

Enfim, a leitura vale ainda assim. Vale pela curiosidade e pela (novamente) sinceridade. Justamente por sair do óbvio, por sair do "cantor pop fala abertamente sobre a lixeira do mundo de um artista pop". Mesmo. Mas desde que se leia sem esperar sensacionalismo, sexo explícito, contos vulgares e etc. Desde que se saiba que está a ler um humano que abre o que há de mais forte em sua vida: suas crenças, pelas quais valeu, de acordo com ele, lutar até o final.

3 comentários:

Borges disse...

Muito bonito! Não vejo mesmo essa necessidade de se expor sexulialidade, por ninguém: viva(m)-se.

Bruno Fernandes disse...

Muito boa a análise do livro! Conseguiu sintetizar bem como é o 'Eu'.
Apesar de não ter lido, já consegui ter uma ideia de como é, por exemplo, a narrativa e o foco do livro.
Sobre o show do Avenged Sevenfold, você tem razão. Muita gente aguardava essa apresentação, principalmente, depois do SWU.
Quando fui comprar já não tinha pista premium, vou de pista comum mesmo, mas curtindo o som da mesma forma!
Abraços e parabéns pelo blog também! Gostei bastante. Vou seguir!

Eli Carlos Vieira disse...

Borges
Obrigado pela passagem aqui!
Essas decisões são muito pessoais, não é? Cada um sente de uma maneira como (e se) exteriorizar.

Bruno!
A narrativa de 'Eu' é direta e fácil de entender, assimilar. São dicas para a vida num geral.
É isso aí, vou sempre conferir os teus relatos da madruga! Muito bons também!

Abração a vocês. O espaço está sempre aberto!